Biografia - 2ª parte


   Apenas com treze anos começa a frequentar a galeria Belo Belo, em Braga, e rapidamente merece a amizade da responsável, Maria Fernanda Paes Moreira, que se apercebe do seu interesse especial e vai tendo notícia do seu precoce talento. Durante algum tempo, frequenta as inaugurações da Belo Belo e discute as suas ideias com os artistas que, mais adiante, seriam seus colegas. É nesse contexto que a decisão de fazer da pintura o seu futuro lhe surge com nitidez. A maneira como encararia o mundo passaria a comportar o estigma essencial de quem vê as coisas pela textura das telas e com o duelo dos pigmentos, na busca da cor exacta para retratar a figura exacta e, consequentemente, o estado de espírito exacto. Nesse momento, seria já um pintor, por definição, impressionado com o mundo como quem o vê de um modo único, irrepetível.
   Estaria retratando as actrizes de quem gostava, e até reproduzindo obras clássicas da sua preferência, quando um amigo ligado à delegação bracarense do Instituto Português da Juventude toma conhecimento do seu trabalho e lhe propõe uma mostra no espaço da instituição. Vem a realizar, com tenra idade, em Agosto de 1996, a exposição «Mulheres Fatais», um conjunto de 12 telas muito grandes onde retratava outras tantas mulheres, de idades variadas e fisionomias contrastantes. Terá sido com essa mostra que Fernanda Moreira, da galeria Belo Belo, se seduziu para o seu trabalho e lhe propõe ligar-se à galeria, à experiência, tornando-o o nome mais jovem do projecto. Neste âmbito, começou por expor em diversos espaços, por indicação da galerista e acaba por se demarcar dos restantes pintores como retratista.
Consagrados artistas não ficaram indiferentes ao recém-chegado pintor. Luís Pinto Coelho ofereceu abrir as portas do seu atelier de Madrid para receber o jovem colega.
   As encomendas começam a aparecer, tornam-se abundantes e frequentes, e chega a retratar as mais variadas pessoas, de crianças a idosos, em formatos por vezes gigantes, num percurso profundamente perscrutante de interpretação dos traços fisionómicos de cada um.
   Ao mesmo tempo, acontece a sua ligação à Companhia de Teatro de Braga, que funcionava no Teatro Circo, antes das obras de requalificação que o espaço sofreu. Nessa experiência, desbloqueia o seu receio em relação aos outros, percebendo melhor a amizade e disponibilizando-se para a partilha do seu contexto mais íntimo. O grupo em que se insere é coeso e divertido. Com ele participa, como actor, em peças de palco e de rua, num processo de grande desinibição que, mais uma vez, acarreta a entrada em fantasias e mutação de realidades. Fascinado, desde logo, com o próprio Teatro Circo, reitera, por experiência directa, a admiração pelo pendor cénico de todas as coisas, agradando-lhe ver as preciosidades da vida assim acentuadas, como se postas num pedestal, como se endeusadas ou cristalizadas num momento em que tudo parece perfeito.
   Foi pelo teatro que lhe surgiu a possibilidade de ensaiar a criação de figurinos. Para uma certa Julieta, quando ele próprio faria o Romeu, faltou o vestido. Acreditando que poderia salvar a situação, comprou os tecidos e criou por si o traje para a que seria a sua trágica amada. Mal consciente do significado de tal proeza, iniciou um percurso assinalável que viria a resultar num guarda-roupa privado de alta-costura, que cede para eventos performativos, completamente da sua autoria e que cativa o interesse de Pepa Carrillo Vice-presidente da Associação dos Criadores Têxteis de Madrid. Com o novo entusiasmo, viria a descurar a pintura por um tempo – não parando de pintar, mas abrandando o ritmo –, e sucede em alguns difíceis espaços já tomados por profissionais do ramo.
   Na esteira desta nova valência, acabou por se envolver no projecto Jornadas Europeias do Património – À Memória das Mulheres da Casa de Bragança, onde, no Paço dos Duques de Bragança, em Guimarães, expõe um conjunto de 12 telas e 20 vestidos retratando algumas das mais influentes e inesquecíveis duquesas daquele linhagem. Os vestidos viriam a integrar o guarda-roupa do artista e os retratos venderam-se todos. Um dos compradores, nessa altura, convida-o para criar 11 telas para decoração da Igreja de Frei Aleixo, em Évora.
   Dividido entre a pintura e a criação de alta-costura, acaba por desenvolver um certo atrito com a Belo Belo e procurar escapar a pressões e encomendas constantes. Algo esgotado pelo ritmo a que as coisas estavam a correr, passa quase quatro anos, de 2001 a 2004, sem mostrar a sua arte, mas nunca deixando de pintar.
   É em 2002 que recebe o primeiro convite para retratar o Papa João Paulo II. Recusa, necessitando ainda da sua clausura, encontrando-se apenas numa caminhada espiritual que, entretanto, começara. Essa dedicação espiritual, acompanhado por um novo grupo de amigos, viria a libertá-lo lentamente das amarras que o haviam esgotado e a fortalecê-lo para um novo regresso. Foi perfeito que, já em 2004, se renove o convite para retratar o Papa, coisa que então aceita e que resulta na tela que, entretanto adquirida pelo Santuário do Sameiro, se expõe no Centro de João Paulo II, no complexo daquele santuário.
   A ligação às figuras sacras não era nova, mas torna-se para sempre íntima a partir daí. No entanto, o pendor espiritual das suas novas personagens não o impede de prosseguir pintando como sempre quis ou sentiu necessidade de fazer. Há uma beleza cinematográfica e profundamente cénica nas suas telas, sendo certo que, no retrato do Papa, este e Nossa Senhora aparecem como estrelas elevadas acima da condição humana, numa alusão em tudo semelhante à da fantasia, que tão cedo marcou o pintor.
   Depois desta importante tela surge o convite para a criação do grande painel que ocupa a parte atrás do altar da cripta do Santuário do Sameiro. É um enorme painel composto, de 4.80 x 4.20 metros, onde a Imaculada Conceição se vê rodeada de figuras fundamentais na história do Sameiro. Envolvido em acesa discussão, o painel permanece na cripta para que foi pensado como uma mais valia do mundo cristão português, retratando a verdade sobre um dos locais de culto mais visitados do nosso país.
   Com encomendas permanentes e pouco tempo a dispor, o Óscar acaba por pintar pouco para si mesmo. São raros os trabalhos que executa para conservar. Passam por retratos familiares e de actrizes que admira, e estão guardados fora das vistas ou pendurados nas paredes da casa dos pais. A sua casa é apenas o espaço que o trabalho lhe permite. Transformada num grande atelier, armazém de materiais, guarda-roupa e sabe-se lá que mais, a casa não expõe o seu trabalho, a casa faz, serve só para fazer. Por isso quase não convive com o que já terminou, mas lembra-se de uma Eva que retratou, nua, talvez explícita em demasia, em grande formato. Lembra-se de ter sido vendida duas vezes, talvez porque o primeiro comprador não tenha conseguido descomplexar-se perante o despudor da figura. Lembra-se de lhe haver pintado uma segunda Eva, mais pudica. Havia uma maçã pendurada por um fio. Lembra-se bem desse quadro porque, de todos, talvez fosse o que mais gostaria de reaver.
   Ainda em Braga, que pode, para todos os efeitos, ser como estar no meio do deserto, no que diz respeito ao convívio entre artistas e instituições, persegue o supremo fito de viver na arte, claramente impressionado por Vermeer ou Jacques-Louis David, Rubens ou Caravaggio. Buscando o lado superior da vida, as suas figuras ascendem à condição de outras figuras, dotadas de uma vida eterna igual, em todos os sentidos, à dos mitos da monarquia, do clero ou do cinema.


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